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É preciso interceder por Sodoma e Gomorra

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Como é diferente um coração de quem tem fé! Seu duplo movimento de irrigação, sístole e diástole, é alargado: no seu ciclo cardíaco, ele abraça o mundo. Quando a fé é verdadeira, autêntica, portanto, desapegada de si, altruísta, sua lei é o “outro” e não o “eu” – alteronomia.

Uma fé vivida assim, radicalmente, tem a coragem de retirar o “eu” do centro para colocar o “outro”, seja ele quem for. Ela procura dar visibilidade a esse outro para que ele seja respeitado e promovido. Não se ensoberbece nem busca as próprias razões. Pergunta-se pelas razões alheias; procura entendê-las e, ainda que não concorde, respeitá-las. Não se alegra com a dor alheia, nem a provoca e tampouco a estima. Uma fé dessa qualidade torna o sujeito aberto, jamais fechado; transparente e não incomunicável. Alguém que a acolhe está sempre de braços levantados para o alto e para o lado. Pede, mas não apenas para si, senão, especialmente pelos outros.

Não por acaso, Abraão é tido como o “pai da fé”. Sua fé, além de leva-lo a  fiar inteiramente em Deus e encontrar nEle o absoluto da sua vida, acreditar piamente em Sua palavra, fez com ele se colocasse atento às necessidades de seus semelhantes. Por isso, Abraão era livre na presença de Deus e falava-lhe francamente: “Não leveis a mal, se ainda ouso falar ao meu Senhor, embora seja eu pó e cinza” (Gênesis 18,20-32). A experiência da fé autêntica nos testifica que Deus não concorre com o ser humano. Antes, escuta-o e se dispõe a ouvi-lo.

Abraão intercede por seis vezes ao Senhor por Sodoma e Gomorra, cidades muito conhecidas do mundo antigo especialmente pela quantidade dos crimes e pecados cometidos por seus habitantes. Ao tomar conhecimento da vontade de Deus em destruir tais cidades, o patriarca não se intimida: coloca-se na presença de Deus argumento que, talvez, haja ali algum justo. Talvez haja 50, 45, 40, 30, 20 ou 10 justos. A resposta de Deus vai ao encontro da intercessão de Abraão: “por causa desses, não destruirei Sodoma e Gomorra”. Porém, como atesta a história bíblica, não havia nem sequer 10 justos em toda a região as cidades foram, de fato, arrasadas pelo fogo.

Mas quais eram os pecados de Sodoma e Gomorra?

Após o retorno de Abraão do Egito, o relato bíblico menciona que os habitantes de Sodoma eram grandes pecadores contra Deus. Porém, isso não impediu uma coexistência pacífica entre os habitantes de Sodoma com o patriarca Abraão, e com o seu sobrinho, Ló.

Alguns escritos judaicos clássicos enfatizam os aspectos de crueldade e falta de hospitalidade com forasteiros. Uma tradição rabínica, exposta na Mishnah, afirma que os pecados de Sodoma estavam relacionados à ganância e ao apego excessivo à propriedade, e que são interpretados como sinais de falta de compaixão. Alguns textos rabínicos acusam os sodomitas de serem blasfemos e sanguinários.

Outra tradição rabínica indica que Sodoma e Gomorra tratavam os visitantes de forma sádica. Um dos crimes cometidos contra os forasteiros é quase idêntico ao de Procusto, na mitologia grega, dizendo respeito à “cama de Sodoma” (midat sodom), na qual todos visitantes eram obrigados a dormir. Se os hóspedes fossem mais altos, eram amputados, se eram mais baixos, eram esticados até atingirem o comprimento da cama.

O relato bíblico sobre Sodoma, Gomorra e cidades vizinhas, que foram destruídas por Deus por causa da terrível perversão sexual de seus habitantes. (Gênesis 18:20-19:29) O versículo 7 do livro bíblico de Judas diz: “Sodoma e Gomorra, e as cidades em volta delas, tendo cometido fornicação de modo excessivo e tendo ido após a carne para uso desnatural, são postas diante de nós como exemplo de aviso.” Deus não havia dado nenhuma lei moral ao povo de Sodoma e Gomorra. Mas como todos os humanos, eles haviam recebido de Deus a faculdade da consciência. Assim, Ele podia com toda a razão considerar aquelas pessoas responsáveis por suas ações. (Romanos 1:26, 27; 2:14, 15) De modo similar, hoje Deus considera todos os humanos responsáveis por suas ações, quer aceitem sua Palavra, a Bíblia Sagrada, quer não. — 2 Tessalonicenses 1:8, 9

[Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sodoma_e_Gomorra]

A intercessão de Abraão, porém, não falhou. Ela foi ouvida por Deus. Deus o escutou com atenção e benignidade. A destruição das cidades não alegrava nem a Deus e tampouco ao seu servo, Abraão. O pecado praticado pelos moradores de Sodoma e Gomorra afrontou a justiça e a ira de Deus. As maldades praticadas em larga escala eram de todos os tipos e de toda espécie de contravenção: moral, espiritual, social e ética. Não quiseram ouvir o Senhor nem tampouco a seus profetas. Não abandonaram seus maus caminhos nem se endireitaram enquanto houve tempo. Esqueceram-se de que eram “pó e cinza”, coisa da qual Abraão jamais se esquecera.

Todavia, a atitude de Abraão nos revela com precisão o compromisso da fé: com o outro. A fé não é algo que se vive unicamente para si. Ela nos coloca em atenção aos mais necessitados. Abraão não se sentia melhor por que encontrara graça aos olhos de Deus. Ele não se sentia privilegiado ou coisa que o valha. Ele não apontou os muitos pecados dos habitantes de Sodoma e Gomorra, nem desejou a morte daqueles moradores, mas se compadeceu deles. A fé de Abraão o tornou comprometido com a vida, onde quer que ela estivesse ameaçada.

Abraão, com sua fé autêntica, tem muito a nos ensinar, sobretudo aos ditos “cristãos” do mundo moderno. É escandaloso quando diante de um pecado alheio nós nos colocamos como aqueles que “julgam e condenam”, apontando as falhas, os erros e os pecados alheios. Tais atitudes depõem contra nós e Deus não pode estar do nosso lado e tampouco ouvir a nossa oração. Ele não compactua com a cultura de morte vigente no mundo. Ele propõe a vida e espera que sejamos promotores e cuidadores dela. Afinal, a glória de Deus é que o homem viva, e tenha uma vida plena (cf. Jo 10, 10).

Infelizmente, há escândalos no mundo. E eles vêm de toda parte: da religião, da política, da cultura, das instituições. “Ai do mundo, por causa das coisas que fazem tropeçar! É inevitável que tais coisas aconteçam, mas ai daquele por meio de quem elas acontecem!” (Mt 18, 7). E escândalo significa, precisamente, a “pedra que nos faz tropeçar”. Quem diante de um escândalo político ou religioso, por exemplo, não se questiona: vale a pena continuar sendo justo, fiel, honesto, temente a Deus…? O escândalo alheio, quase sempre, nos enrubesce. E isso não é de todo mal. O problema está em desejar o mal do outro, sua perdição eterna, sua “desgraça” porque ele errou. Quando isso ocorre, é sinal concreto de que não entendemos ainda o que significa “ter fé”.

Afinal, quando a fé nos habita – porque ela é dom e não propriedade de ninguém -, sentimos verdadeiro horror ao mal: em nós, nos outros, no mundo, mas nunca horror ao “outro”. Ainda que ele tenha errado, não queremos o seu fim. Almejamos, antes, que se converta e viva. Que encontre uma saída, que se conscientize e que volte ao bom caminho.

Infelizmente, nossas “mãos cristãs” estão cheias de crimes: se na comunidade alguém pensa ou age diferente de nós, excluímos ou reivindicamos sua expulsão. Se algum líder religioso cai em pecado grave, exigimos que seja expurgado. Se é de outra denominação religiosa, nosso coração se enche de “sincero louvor”. Uma lástima! Pois, ainda que seja de outra “igreja”, alguém que erra, que peca é, antes de tudo, um atentado ao Evangelho que “perdeu sua força” na vida dele e de sua comunidade. E com o pecado alheio perdemos todos: perde o mundo cristão e perde a vida humana que é “assaltada pelo mal”. Saber de um “pecado alheio”, seja de quem for, deveria acender em nós a chama da compaixão, da tristeza, das lágrimas e do desejo profundo de que tal “pecador” se converta e se encontre com a misericórdia de Deus que a todos põe de pé.

Abraão, por sua vez, sabia das minúcias do pecado de Sodoma e Gomorra.  Era de domínio público, infringia a lei da Santidade de Deus e exigia uma reparação. Nem por isso, Abraão pediu a “cabeça” dos pecadores. Antes, argumentou com Deus, insistentemente, que poderia haver ali algum justo: “Fareis o justo perecer com o ímpio?”, questionou ao Altíssimo. Deus, por outro lado, estava disposto a perdoar os pecadores se houvesse ali, ao menos, 10 justos. Misericórdia e Justiça andam juntas. Não havia, infelizmente.

Porém, ah, se aprendêssemos com nosso pai Abraão, o mundo seria outro. O cristianismo encontraria forças para superar as calamidades que nos assolam de todos os lados. Nossas comunidades seriam verdadeiros oásis e não haveriam preteridos entre nós. Se escutássemos o apelo de Abraão não desejaríamos a morte daquele que pensa e age diferente de nós. As convicções do outro, suas ideologias e crenças não seriam motivos de “apartheid” nem tampouco causas de terrorismos insanos, desmedidos e sem razão.

Seríamos mais tolerantes, humanos, complacentes e ternos. Saberíamos cuidar mais e melhor uns dos outros, independentemente de quem fosse e do que fizesse. O mundo teria jeito. As crianças cresceriam em ambientes de paz e os opostos dariam as mãos. Os líderes religiosos não fomentariam o ódio em seus seguidores e nenhuma religião ou partido político ou de agremiação esportiva aplaudiria o massacre alheio, e tampouco incentivariam o “suicídio” como forma de martírio em prol de um além-mundo que destoa enormemente daquele promulgado em todos os livros sagrados das religiões. O fanatismo e o fundamentalismo não teriam vez entre nós e em nós. Seríamos holísticos: abertos ao mundo, ao outro e a Deus.

Mas, por que não toleramos as falhas alheias, os desvios de foco, os desacertos, as incongruências e os pecados de nossos semelhantes, o mundo está em guerra, a religião é desacreditada e somos um povo adoecido. Não por acaso sofremos de tantas patologias modernas. O ser humano tem sido uma “febre andante”: por onde passa, queima e arrasa como fogo devorador que consome. Tristes tempos… Tempus malum.

É preciso que redescubramos, urgentemente, o valor da fé que intercede e se importa, efetivamente, com o outro sem impor-lhe condições de nenhuma ordem. Do contrário, Sodoma e Gomorra continuarão a ser destruídas até o dia em que elas forem arrasadas dentro de nós porque, não poucas vezes, é dentro dos que julgam, condenam e matam que mora a pior das “Babilônias”, símbolo do ancoradouro de pecados. E tais pecados, só Deus, o Misericordioso por excelência, é capaz de ver. E mesmo vendo-os, Ele nos convida à conversão, pois “seu amor é sem fim” (Sl 118).

Por outro lado, se não formos capazes de interceder e de ter compaixão de outrem, porque errou, supliquemos a graça da conversão, pois, quem os terá de nós, quando chegar nossa vez?

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Por, Pe. Claudemar Silva

www.padreclaudemarsilva.com
Fanpage: Pe. Claudemar Silva


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