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Madre Teresa de Calcutá: a santa da misericórdia

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A primeira vez que ouvi falar de Madre Teresa de Calcutá eu tinha 13 anos. Uma senhora da Paróquia mostrou-me um cartão postal das mãos daquela freirinha pequena, já calejadas, segurando um terço. Eu nunca mais me esqueci daquelas mãos. Depois disso, passei a ler e a acompanhar tudo o que saia a respeito daquela freira albanesa que se dedicava exclusivamente aos mais pobres dos pobres. Como ela conseguia fazer aquilo? Estar com aquele tipo de gente que ninguém mais gostaria de estar? O testemunho daquela religiosa, ao mesmo tempo em que nos comovia, causava em nós, cristãos, um grande embaraço. Ela vivia o Evangelho, radicalmente.

misericordia

Há muitas “lendas” sobre Madre Teresa. Algumas são mais fidedignas, porque ditas por pessoas sérias e comprometidas com o Evangelho. Dizem que numa das muitas vezes em que a mídia a acompanhou, numa espécie de cinebiografia da freira que incomodava o mundo com sua predileção pelos últimos, um repórter de uma grande rede de televisão internacional lhe perguntou, após acompanhá-la num atendimento aos enfermos: “irmã, eu não faria isso por nenhum dinheiro do mundo”. Ao que ela respondeu, sem retirar os olhos e as mãos do moribundo: “Eu também não, meu filho. Eu também não”.

Madre Teresa, segundo confidências ao seu diretor espiritual publicadas no livro “venha, seja minha luz” [Editora: THOMAS NELSON BRASIL], viveu durante quase toda a sua vida a sequidão da alma. Sentia Deus distante. Por vezes, é como se Ele tivesse se ausentado de todo. Nos últimos anos de sua vida, essa foi a experiência mais forte que ela teve de Deus: o seu completo silêncio. Se nos inícios do seu ministério de vida consagrada, a voz de Deus se fez ouvir em alto e bom som, como no clamor que ela ouvira do Crucificado: “tenho sede”, nos últimos tempos a voz dEle foi o mais absoluto silêncio.

Madre Teresa sofreu o que São João da Cruz classificara como a “noite escura da alma”. Sua ação caritativa tornou-se um compromisso da convicção que não era mais fruto do sentimento nem da emoção, mas da radicalização mais profunda da fé: fazer por crer, sem ver, sem sentir nem tocar. Crer por crer, e nada mais. A freira que consolava os moribundos já não contava mais com os consolos de Deus. Ele havia se ausentado: “é como se Ele não me amasse mais”, confessava.

Após receber o prêmio nobel da paz, em 1979, e voltar para sua casa em Roma, ouviu de um jornalista: “Madre, a senhora tem setenta anos! Quando morrer, o mundo será como antes. O que mudou depois de tanto esforço?” Sem esboçar mágoa nem constrangimento pela pergunta, Madre Teresa sorriu e lhe respondeu: “Veja, eu nunca pensei que poderia mudar o mundo! Eu só tentei ser uma gota de água limpa em que pudesse brilhar o amor de Deus. E é só isso que eu desejo ser. Mas sem mim, sem uma única gota, o oceano seria menos oceano”[1].

As provocações vinham de toda parte, como ainda hoje. Ainda nos primórdios da Congregação das Missionárias da Caridade, um representante do Vaticano foi a Calcutá entrevistá-la para dar seu parecer para a Congregação da Doutrina da Fé. Madre Teresa relutou insistentemente em lhe conceder a entrevista. Ela dizia que não tinha que defender nem dizer nada, pois a Congregação não era dela, era de Deus. O purpurado tanto fez, que o bispo da Diocese de Calcutá intimou Madre Teresa e ela, por obediência, cedeu. Ao ser inquerida pelo cardeal, respondeu: “a obra é de Deus. Eu sou apenas um lápis nas mãos dEle. Quem escreve é Ele”. Diante da obra de misericórdia empreendida pelas Missionárias da Caridade e pelo testemunho de Madre Teresa, não restou outra coisa ao religioso senão assinar o termo de consentimento à nova Congregação: “quem sou eu para deter o lápis de Deus?”, teria dito.

Recentemente, um grupo de jornalistas canadenses empreendeu uma campanha difamatória contra Madre Teresa de Calcutá. Acusaram-na de ser “um monstro moral”, pois teria desviado milhões de dólares das doações que recebia para os cofres do Vaticano. Segundo tais jornalistas, alguns médicos contemporâneos de Madre Teresa testemunharam que muitos dos pacientes das casas das Missionárias não recebiam o tratamento adequado, alegando que para a religiosa era mais importante o sofrimento do que a cura, propriamente dita. O jornalista Christopher Hitchens (1949-2011) teria sido um dos primeiros a denunciar a perversidade da madre.

Segundo esse jornalista, Madre Teresa “não era um amiga dos pobres. Ela era uma amiga da pobreza. Ela disse que o sofrimento era um presente de Deus. Ela passou a vida opondo-se a única cura conhecida para a pobreza, que é o empoderamento e a capacitação das mulheres, livrando-as de uma versão de gado de reprodução obrigatória”. E continuou: “Ela era uma fanática, uma fundamentalista e uma fraude. Ela representa uma igreja que protege oficialmente quem viola os inocentes e nos mostra claramente onde ela [a madre] realmente se encontra em questões morais e éticas”.

Um outro jornalista, Geneviève Chénard, pesquisadora em educação da Universidade de Montreal, no Canadá, acusou Madre Teresa de ser inescrupulosa: “Vimos, por exemplo, que a congregação era pouco criteriosa na hora de aceitar doações em dinheiro”. E tantos outros profissionais da mídia secular se levantaram para reverberar acusações contra a pequena freira de Calcutá, de terço nas mãos[2].

Essas são apenas algumas das muitas acusações que assombram a imagem de Madre Teresa. Ela, no entanto, não está mais aqui para se defender. E, estranhamente, a sua Congregação não se pronunciou. E o papa Francisco, ciente de toda esta celeuma em torno da freirinha albanesa, escreveu: “quatro palavras definem a personalidade de Madre Teresa: caridade, misericórdia, família e jovens”[3]. Tanto a Congregação das Missionárias da Caridade quanto o papa Francisco sabem que os critérios do mundo são opostos aos do Evangelho, e vice-versa.

Madre Teresa, com sua vida, missão e obra, foi um grande anúncio da plenitude da vida a que todos têm direito e uma grande denúncia dos desmandos e descuidos para com essa mesma vida, por parte dos poderosos e grandes deste mundo. Ela não teve receio de tocar cancerosos, leprosos, aidéticos, moribundos, homens, mulheres, jovens, idosos e crianças à beira da morte. Muitos eram recolhidos dos grandes centros ou dos guetos das cidades já em estado de decomposição, ainda que vivos. Alguns já estavam sendo consumidos por vermes e tinham partes do corpo apodrecidas, embora respirassem. E muitos, depois que morriam, em total estado de abandono, eram recolhidos pelo serviço de limpeza de Calcutá junto com os entulhos urbanos e jogados nas valas e nos depósitos de lixos para serem incinerados.

Eram esses, especialmente, os objetos da misericórdia e do cuidado de Madre Teresa de Calcutá. A esses, ela dava a dignidade de morrerem acompanhados por uma pessoa que lhes enxugasse o suor da testa, que lhes desse um pouco de água na ânsia da morte e lhes chamasse pelo nome, quando possível, para ajudar-lhes a se entregarem ao Senhor nos últimos instantes de vida. Muitos, antes de morrerem, diziam-lhe: “você é um anjo. Obrigado”. E voavam como pássaros livres na direção dos braços amorosos “do Pai das Misericórdias e do Deus de toda consolação” (2Cor 1, 3).

Diante de tamanho testemunho, as acusações difamatórias e as calúnias dos detratores do bem e dos sem compromisso com a verdade perdem a sua força. De tudo, ficam as obras e a insistência daquela mulher, cristã, freira, em continuar sendo apenas o que foi possível ser: uma gota. Nada mais.

Madre Teresa de Calcutá morreu em 5 de setembro de 1997, aos 87 anos de idade. Um dos milagres atribuídos à religiosa teria ocorrido no Brasil, em 2008, com um homem de 35 anos, de Santos, que foi diagnosticado com hidrocefalia (acúmulo de líquido no crânio) e sofreu oito abscessos no cérebro. Apesar de seu quadro clínico e de seu estado terminal, o homem sobreviveu e impressionou a equipe médica.

Santa Teresa de Calcutá, rogai por nós e alcançai-nos de Deus, rico em Misericórdia, o perdão dos nossos pecados, de nossa indiferença e do nosso comodismo. Amém.

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Por, Pe. Claudemar Silva

Blog Pessoal: www.padreclaudemarsilva.com
Fanpage: Pe. Claudemar Silva
Email: pe.claudemarsilva@elodafe.com

[1] Cardeal Angelo Comastri, vigário geral do Papa para a Cidade do Vaticano e grande amigo da Madre Teresa de Calcutá em entrevista à ALETEIA.ORG

[2] Fonte: paulopes.com

[3] Prefácio do livro: “Amamos quem não é amado. Textos inéditos”, Editora Missionaria Italiana.

[4] Pe. Claudemar Silva é Assessor de Comunicação da Diocese de Uberlândia e Vigário Paroquial no Santuário Diocesano Nossa Senhora Aparecida em Uberlândia-MG.


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