Eu tenho um palpite e que me parece o mais plausível de todos. Porque ela era cristã. Madre Teresa era uma mulher como tantas outras, atenta, silenciosa, generosa, pequena, humilde, pobre, bondosa. Mas algo a impelia a fazer o que fazia: cuidar dos pobres, dos enfermos, dos homens, mulheres, jovens e crianças jogados nas periferias das grandes cidades, sobretudo de Calcutá. O que impelia aquela mulher, de estatura baixa, mãos frágeis e distante dos grandes centros do poder e dos interesses mundiais era uma única coisa; melhor, era alguém: Jesus Cristo.
Madre Teresa ficou conhecida como a “santa da sarjeta”. Sua atenção era exclusiva para eles: os miseráveis. Ela, no entanto, não fazia parte de uma ONG, nem era uma benemérita milionária, nem tampouco movida por um assistencialismo ou coisa que o valha. “Eu vejo Jesus em cada ser humano. Eu digo para mim mesma: este é Jesus com fome, eu tenho que alimentá-lo. Este é Jesus doente. Este tem lepra ou gangrena; eu tenho que lavá-lo e cuidar dele. Eu sirvo porque eu amo Jesus.”, afirmava.
Diante dos clamores dos homens e dos inúmeros sofrimentos alheios, a fé de Teresa no Crucificado, Jesus Cristo, era a força motriz que a levava sempre adiante, animando-a a continuar não obstante as muitas dificuldades encontradas. Graças à sua experiência de Deus, as dificuldades em lidar com tantas limitações humanas, o egoísmo, a indiferença, a ganância e os crimes mais diversos eram superados com resiliência. “Eu sou apenas uma gota límpida no oceano do amor de Deus”, afirmou a um repórter que lhe perguntou se ela cogitava mudar o mundo: “nunca tive essa pretensão”. A pretensão de Madre Teresa era outra: amar sem esperar nada em troca. “Eu rezo para vocês entenderem as palavras de Jesus: ‘Amai-vos como Eu vos amei’. Perguntem a si mesmos: ‘Como foi que Ele me amou? Será que eu realmente amo os outros da mesma forma?’. Sem esse amor, nós podemos nos matar de trabalhar, mas isso vai ser só trabalho, não amor. Trabalho sem amor é escravidão”, sublinhou mais de uma vez.
E é preciso reconhecer: se houve um ser humano nos últimos tempos que soube viver a dinâmica do Evangelho esse alguém, indubitavelmente, foi Madre Teresa de Calcutá: “Quando deres um jantar, ou uma ceia, não convides teus amigos, nem teus irmãos, nem teus parentes, nem os vizinhos ricos, para que não suceda que também eles te tornem a convidar, e te seja isso retribuído. Mas quando deres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os mancos e os cegos; e serás bem-aventurado; porque eles não têm com que te retribuir; pois retribuído te será na ressurreição dos justos” (Mt 22, 12-24), advertiu Jesus.
Os opositores de Madre Teresa, no entanto, acusam-na de servir à pobreza e não ao pobre: “não dê o peixe, ensine a pescar”. Todavia, Madre Teresa bem sabia que aqueles a quem ia não conseguiriam sequer “segurar a vara para pescar”. A maioria deles encontrava-se em estado avançado de putrefação. Era carcomida por vermes e estava a um passo da eternidade. A morte era iminente. A esses, os últimos dos últimos, os pobres dos pobres, como costumava chamá-los, a religiosa lhes dava a dignidade de morrerem na paz sob o cuidado de uma outra pessoa, sem a tristeza do abandono e da indiferença radical no instante da morte: “Buscar a face de Deus em tudo, em todos, o tempo todo […] Ver e adorar a presença de Jesus, especialmente na aparência humilde do pão e no angustiante disfarce de pobre”, recomendava.
Outros detratores da Madre acusam-na de ser contra a vida, porque se colocava contrária ao aborto, à eutanásia e aos métodos contraceptivos. Madre Teresa, como cristã católica, consciente e convicta de sua fé, nunca quis ser maior do que a Igreja. Ela bem sabia: era filha da Igreja e estava a serviço dela. Em nada desejou se colocar contra os dogmas e os ensinamentos milenares da instituição a quem servia como religiosa. Se a Igreja, como mãe, orientava os cristãos na questão moral e ética, Madre Teresa tinha clareza da autenticidade do magistério eclesial. E não fugia dos debates em torno de temas espinhosos como esses: “se não quiserem o filho, enviai-o a mim”, teria dito certa vez a uma jovem que pensava em abortar. Afinal, uma criança, ainda no útero da mãe, é um filho amado de Deus e tem direito à vida e à dignidade de ser humano. O aborto, por essa razão, é um crime hediondo; um assassinato.
“O aborto pode ser combatido mediante a adoção. Quem não quiser as crianças que vão nascer, que as dê a mim. Não rejeitarei uma só delas. Encontrarei uns pais para elas. Ninguém tem o direito de matar um ser humano que vai nascer: nem o pai, nem a mãe, nem o estado, nem o médico. Ninguém. Nunca, jamais, em nenhum caso. Se todo o dinheiro que se gasta para matar fosse gasto em fazer que as pessoas vivessem, todos os seres humanos vivos e os que vêm ao mundo viveriam muito bem e muito felizes. Um país que permite o aborto é um país muito pobre, porque tem medo de uma criança, e o medo é sempre uma grande pobreza”, denunciou. E acrescentou: “Mas eu sinto que o maior destruidor da paz hoje é o aborto, porque é uma guerra contra a criança – um assassinato direto da criança inocente – assassinato pela própria mãe. E se nós aceitamos que uma mãe pode matar até mesmo sua própria criança, como nós podemos dizer para outras pessoas que não matem uns aos outros?…”
Muitos acusam-na de ser amiga do sofrimento e de não tentar evitá-lo a qualquer custo. Isso é uma calúnia. Madre Teresa aliviou inúmeros sofrimentos mundo afora. Cuidava com amor de mãe de pessoas em estado crítico e com situações, por vezes, irreversíveis. E, de mais a mais, o sofrimento é inerente à vida. Quando ele se apresenta sob o véu da pobreza extrema, da enfermidade sem cura ou da dor dilacerante, o cristão “adora-o” como adora ao Cristo, pois vê nele, no sofrimento inalterável, um modo de se salvar, isto é, de se identificar com o transpassado da cruz. Exigir compreensão do mundo acerca dessa mística seria exigir demais de quem promete muito e paga tão pouco.
Por isso, Madre Teresa não apenas anunciou o amor, mas denunciou a indiferença e o egoísmo: “A maior doença do Ocidente hoje não é a lepra nem a tuberculose; é ser indesejado, não ser amado e ser abandonado. Nós podemos curar as doenças físicas com a medicina, mas a única cura para a solidão, para o desespero e para a desesperança é o amor. Há muitas pessoas no mundo que estão morrendo por falta de um pedaço de pão, mas há muito mais gente morrendo por falta de um pouco de amor. A pobreza no Ocidente é um tipo diferente de pobreza – não é só uma pobreza de solidão, mas também de espiritualidade. Há uma fome de amor e uma fome de Deus”.
Falta de higiene e de cuidados paliativos com as enfermarias e com os cuidadores eram outras críticas sofridas por Madre Teresa. Evidentemente que tudo isso é importantíssimo, mas, em muitos casos, as enfermarias da Congregação das Missionárias da Caridade, fundada por Madre Teresa, eram como hospitais de campanha: as pessoas que chegavam ali estavam em “petição de miséria”. Os primeiros socorros exigiam uma agilidade que fazia com que os detalhes fossem relegados a segundo plano: “Eu acho que é melhor você errar na bondade do que fazer milagres com falta de bondade”. Quanto às doações recebidas de fontes duvidosas, Madre Teresa tinha um único objetivo: cuidar e amparar aqueles que foram esquecidos pelos grandes do mundo. E nessa opção, foi profundamente evangélica: “Por isso, eu lhes digo: usem a riqueza deste mundo ímpio para ganhar amigos, de forma que, quando ela acabar, estes os recebam nas moradas eternas” (Lc 16, 9). Os amigos de Madre Teresa, os pobres dos pobres, a receberam no céu, com certeza.
Por fim, questionam a lógica dos “milagres” e da pressa com que a freira albanesa foi tomada como santa pela Igreja. De fato, os “milagres” e sua comprovação científica faz parte do processo de beatificação e canonização de um candidato aos altares católicos. Todavia, eles não são os mais importantes nem tampouco são os únicos critérios para tornar alguém santo. Na verdade, o que a Igreja faz é reconhecer que aquela pessoa, depois de comprovadas virtudes e autêntica fidelidade a Cristo e à Igreja, é merecedor de ser tido como exemplo a ser seguido. Um santo é, antes de tudo, um farol, um iluminador ao longo do caminho. Ele nos indica uma outra luz, sem ocaso, a qual ele mesmo perseguiu tenazmente: o Cristo de Deus.
Madre Teresa, com seu testemunho de vida oblativa, dedicada aos homens e mulheres de seu tempo, saciando os que tinham fome, os que tinham sede, cobrindo os corpos nus, visitando e dando guarida aos enfermos e sem teto, socorrendo os maltrapilhos e animando os desesperados e desanimados, provou-nos que a face do Cristo só é possível de ser vista neles e em ninguém mais: “Nós temos que transformar o nosso amor a Deus em ação viva”. Jesus, e não outra coisa nem ideologia, por mais digna que fosse e merecedora de reconhecimentos, foi o que motivou a fé e a caridade de Madre Teresa no seu amor apaixonado por Deus e, por isso, pelos irmãos e irmãs deste mundo: “Quando um pobre morre de fome, não é porque Deus não cuidou dele. É porque nem você nem eu quisemos dar a ele o que ele precisava”.
Se o mundo não compreende ou não quer compreender Madre Teresa de Calcutá é porque o mundo não conhece a Deus e não o serve especialmente nos mais esquecidos: “Se o mundo vos odeia, sabei que, antes de vós, odiou a mim. Se fôsseis do mundo, ele vos amaria como se pertencêsseis a ele. Entretanto, não sois propriedade do mundo; mas Eu vos escolhi e vos libertei do mundo; por essa razão, o mundo vos odeia. Recordai-vos das palavras que Eu vos disse: ‘nenhum escravo é maior do que o seu senhor’. Se me perseguiram, também vos perseguirão” (Jo 15, 18-20), preveniu-nos Jesus.
Logo, se quem serve a um dos menores do mundo é a Jesus que serve, ser odiado pelo mundo é também uma forma de se identificar com o Mestre dos mestres. Também aqui, na perseguição e no ódio sofridos, Madre Teresa nos testemunha sua opção por Deus e pelo Reino de Deus, tão contrário e dispare do reino mundano em decadência.
Para aceitar Madre Teresa de Calcutá é preciso reconhecer que estamos indo na contramão da história de Deus com o ser humano, pois digladiamos, construímos muros e fazemos guerras uns contra os outros. E é preciso, igualmente, nos converter ao amor e à misericórdia se, de fato, quisermos que esta vida valha a pena, pois, “se na minha vida eu puder ajudar alguém, então minha vida não terá sido em vão”. E não há modelo mais pleno e acabado de doação e serviço ao outro do que Jesus, o Cristo de Deus, que nos amou até o fim.
Santa Teresa de Calcutá, rogai por nós.
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Por, Pe. Claudemar Silva
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