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“Todo dinheiro é fruto de injustiça”

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A Liturgia deste 25º Domingo do Tempo Comum evoca para nós o tema da administração. Isso por que somos todos administradores. A primeira coisa que nos foi confiada é o cuidado da própria vida. Devemos ser bons administradores da nossa existência, pois, em algum momento, o Senhor da vida, dispensador de todos os dons, nos pedirá contas dela. Se em algum momento percebermos que nossa vida está fora dos “trilhos” precisamos voltar ao bom caminho. A Palavra de Deus, nesse sentido, é “luz para os nossos pés”, iluminando o percurso ao longo da nossa travessia.
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O evangelista Lucas (Lc 16,1-13) põe nos lábios de Jesus uma parábola que corrobora esta atenção com a administração de todas as coisas, em especial dos bens públicos. Além da própria vida, somos administradores de bens alheios ou de situações que nos foram confiadas: a família, os filhos, o trabalho que desempenhamos e, na Igreja, o cuidado com as coisas de Deus. Por isso, Jesus fala aos seus discípulos recordando-lhes da missão que lhes foi confiada de anunciadores da boa-nova do Evangelho e da promoção dos valores do Reino de Deus. Logo, na parábola, as pessoas evidenciadas são prontamente reconhecidas: o patrão é Deus, e o administrador é cada um de nós.

Aquele administrador, no entanto, foi acusado de corrupção. Em seu ofício de gerir as coisas do seu patrão, ele utilizou de seu prestígio e de seu status para oprimir as pessoas e ganhar vantagens. Certamente, ele fazia aquilo que a primeira leitura, do profeta Amós, (Am 8,4-7), denunciou: oprimia os pobres, sonegava os impostos, superfaturava os preços dos produtos, adulterava as balanças, ludibriava os pobres e enganava os ingênuos. Era um fanfarrão com o dinheiro alheio. Esse pecado, porém, é intolerável aos olhos de Deus: “não esquecerei nenhum de seus atos”, afirmou o Senhor pela boca do profeta. O pecado contra o pobre, o infeliz, o desvalido, aquele que não tem com quem contar é, antes de tudo, uma afronta à Santidade de Deus. E o salmista, por esta razão, canta: “O Senhor está acima das nações, sua glória vai além dos altos céus. Quem pode comparar-se ao nosso Deus, ao Senhor, que no alto céu tem o seu trono e se inclina para olhar o céu e a terra? Levanta da poeira o indigente e do lixo ele retira o pobrezinho, para fazê-lo assentar-se com os nobres, assentar-se com os nobres do seu povo” (Sl 112).

Logo, toda ação humana que desrespeita o outro, que oprime e engana, vilipendia a dignidade humana e a santidade divina. Deus se coloca, por esta razão, do lado dos pobres, dos menores deste mundo, daqueles que não são contados ou são esquecidos à própria sorte. Se Deus não agisse assim, quem o faria? Se Deus não levantar o pobre do monturo, como cantou o salmista, quem assumirá a sua causa? Deus, de fato, não pode aceitar uma lógica onde a pessoa humana seja escravizada e coisificada. Na lógica do lucro a qualquer custo, a pessoa humana é desrespeitada, ignorada e solapada de todos os lados. Nessa nossa sociedade onde vale quem mais possui, Deus fez a escolha por aqueles que nada têm. Não é o dinheiro que nos torna agradáveis a Deus, mas nossa capacidade de sermos atentos às necessidades alheias.

Por isso, o evangelho diz que o patrão ficou impressionado com a esperteza daquele seu administrador. Diante da iminência da demissão, ele encontrou rapidamente uma saída: fez amigos; retirou o ágio do que antes fora cobrado em demasia dos seus devedores. A um deu cinquenta por cento de desconto; a outro, vinte. “Os filhos deste mundo são mais espertos do que os filhos da luz”, disse Jesus. Todavia, aquele homem não deve ser imitado. O seu modo de administrar deve ser evitado a todo custo. Porém, o modo como ele agiu é digno de louvor. Também nós, ao percebermos que falhamos, que erramos a medida, o alvo, trapaceamos ou cometemos algum erro, sempre é tempo de retomar o bom caminho, fazer a conversão profunda do coração. Pois, “aquele que é fiel nas coisas pequenas será também fiel nas coisas grandes. E quem é injusto nas coisas pequenas, sê-lo-á também nas grandes”.

Por isso é que a boa educação, desde a mais tenra idade, é tão importante: cabe ao pai de família orientar seu filho que não há diferença entre roubar uma balinha de mascar ou um milhão de dólares. Por vezes, acusamos e condenamos os grandes pecadores públicos que furtaram milhões dos cofres públicos, mas facilmente nos esquecemos de nossas corrupções pessoais por considerá-las menores e insignificantes. Em nosso escondimento, nas nossas relações pessoais e financeiras, também somos, muitas vezes, desonestos e corruptos; toleramos e reivindicamos propina, aceitamos falcatruas e sonegamos impostos. Quantos não aumentam também o peso da balança, superfaturam os produtos e exploram seus funcionários, sem lhes dar o que a própria Lei lhes resguarda. Por outro lado, há profissionais que são omissos, negligentes e preguiçosos, descompromissados e injustos. A má administração faz história na vida de muitas empresas, assim como os crimes e as desonestidades que elas retroalimentam.

É por tudo isso que para a teologia bíblica todo dinheiro é fruto de injustiça. “Usai o dinheiro injusto para fazer amigos”, recomendou Jesus. Toda forma de riqueza tem por trás uma história de opressão, de injustiça, de desmando, de crimes e de idolatria. O dinheiro, em nenhum contexto, é honesto. Por isso, deve-se utilizá-lo para a caridade, para a promoção da justiça e da fraternidade. Pois, um dia, no céu, seremos recebidos por aqueles que, na terra, fomos solidários. “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro”. O dinheiro, amado em demasia, é sempre contrário à proposta solidária de Deus que se fez pobre para enriquecer a todos. Sem a dimensão da oblatividade, o dinheiro, acumulado à exaustão, é uma terrível idolatria, colocando-se frontalmente contra Deus. Daí a conclusão: é preciso usar dele e não se tornar servo dele, mas do Altíssimo, o único e verdadeiro Deus.

Paulo, em sua carta a Timóteo, (1 Tm 2,1-8), recomenda que rezemos pelos governantes. Um governante tem a grave missão de governar para o bem comum e não para si mesmo. Quando um homem ou uma mulher utiliza-se da política partidária, por exemplo, em proveito próprio comete um grande pecado diante de Deus. As muitas corrupções vigentes em nossa sociedade, as muitas más administrações reinantes nos municípios, nos estados e até no governo federal evidencia o escândalo da corrupção que amealha para si grandes riquezas, desviando verbas que foram destinadas à educação, à saúde, ao bem comum. Um corrupto, por essa razão, é um assassino: ele arranca da boca das crianças o alimento destinado a elas; das mãos dos jovens os seus sonhos de uma educação sempre mais aclarada e dos enfermos o direito a uma assistência que lhes garanta a vida em plenitude.

Muitas pessoas, e até cristãos, pensam que a Igreja deveria se ausentar da vida política e se preocupar unicamente com as questões eclesiais, como se pudéssemos nos restringir ao espaço da sacristia. Isso é uma incoerência com o Evangelho. Cabe à Igreja anunciar a boa-nova do Evangelho, mas também exercer sua missão profética de denunciar os desmandos e os contra valores deste nosso mundo, tão mergulhado nos crimes e nas injustiças. Uma fé que se contenta em ficar de joelhos e de olhos voltados unicamente para os céus não pode agradar a Deus. Ele nos inquieta com seu Espírito, nos põe de pé e nos torna ágeis no compromisso responsável com a vida, com as pessoas e com este mundo, obra de seu amor misericordioso para conosco. Nenhuma fé que se ausenta do mundo e do cuidado com ele é fruto de uma experiência autêntica com o Senhor da história. Essa fé é, antes de tudo, uma superstição; e esse deus, um ídolo, pois ele serve, tão somente, para acomodar nossas vaidades e massagear nosso ego e nossa busca por prazeres sempre mais egoístas e exclusivistas. Deus nos livre de uma fé e de uma administração sob esses vértices de morte e de descuidos.

Esforcemo-nos, portanto, em sermos bons e exímios administradores daquilo que não nos pertence, desde as pequenas coisas, para que quando nos chegarem as coisas maiores sejamos dignos delas.

Assim seja.

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