“Padre, em quem eu devo votar?”, perguntou-me uma senhora. Respondi: eu não posso dizer pra senhora em quem votar. Isso faz parte do seu foro íntimo, da sua consciência. E a consciência é o espaço sagrado em nós. Eu posso, tão somente, à luz do Evangelho e do Magistério Eclesial, dizer-lhe como um cristão consciente deveria votar:
Jesus, para instruir aqueles que cumprem com diligência sua função nas coisas terrenas, por causa da construção do Reino de Deus, afirmou por meio de uma parábola: “E o seu Senhor lhes disse: muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel no pouco, eu te confiarei muito. Vem regozijar-te comigo” (Mateus 25, 21). A fidelidade, portanto, nas pequenas coisas, sejam elas de que ordem for, garante-nos o acesso às coisas maiores.
O Código de Direito Canônico, n. 227, assim se expressa: “Os fiéis leigos têm o direito de que, nas coisas da cidade terrena, lhes seja reconhecida a liberdade que compete a todos os cidadãos; ao utilizarem esta liberdade, procurem que a sua atuação seja imbuída do espírito evangélico, e atendam à doutrina proposta pelo magistério da Igreja, tendo porém o cuidado de, nas matérias opináveis, não apresentarem a sua opinião como doutrina da Igreja”.
O papa Francisco, na audiência do dia 07/06/2013, num encontro com crianças e jovens, no Vaticano, sublinhou a participação dos fiéis na Política: “Envolver-se na política é uma obrigação para um cristão. Os cristãos não podem fazer como Pilatos: lavar as mãos. Devemos implicar-nos na política, porque a política é uma das formas mais elevadas da caridade, visto que procura o bem comum. Os leigos cristãos devem trabalhar na política. Dir-me-ão: não é fácil. A política é demasiado suja. Mas é suja porque os cristãos não se implicaram com o espírito evangélico. É fácil atirar culpas… mas eu, quê faço? Trabalhar para o bem comum é dever de cristão. Num mundo que tem tanta riqueza e tantos recursos para dar de comer a todos, não se pode compreender como há tantas crianças esfomeadas, tantas sem educação, tantos pobres”.
A CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – em mensagem aos fiéis no dia 13 de abril deste ano ressaltou: “Os cristãos leigos não podem ‘abdicar da participação na política’ (Christifideles Laici, 42). A eles cabe, de maneira singular, a exigência do Evangelho de construir o bem comum na perspectiva do Reino de Deus. Contribui para isso a participação consciente no processo eleitoral, escolhendo e votando em candidatos honestos e competentes. Associando fé e vida, a cidadania não se esgota no direito-dever de votar, mas se dá também no acompanhamento do mandato dos eleitos”.
Logo, de modo prático, seguem alguns conselhos pastorais:
1 – Faça uma lista dos seus possíveis candidatos
2 – Não se prenda a partidos políticos. As legendas servem unicamente para ludibriar os homens retos. O que importa fundamentalmente são as propostas. Avalie-as.
3 – Faça uma “investigação” cuidadosa na internet com o nome do seu candidato. Leia tudo o que já saiu sobre ele na mídia. Ninguém fará isso melhor do que você mesmo.
4 – Reivindique de seus candidatos propostas plausíveis ao menos nas principais áreas de atuação pública: saúde, educação, cultura, lazer, segurança…
5 – Instrua-se quanto à função do Legislativo: propor leis e investigar o Executivo. Se seu candidato disser: “Vou fazer isso e aquilo…”, fuja dele. Ele está te enganando.
6 – Prefira os novos candidatos. Política não é profissão. Há quem queira se manter no poder a qualquer custo.
7 – Não vote em quem propôs apenas mudança de nome de rua, de praça, moções de aplausos, e não propôs nada mais sério e substancioso para a comunidade.
8 – Prefira os candidatos com senso de justiça e com verdadeiro interesse público. Fuja dos tendenciosos e oportunistas. Eles surgem do nada; você nunca ouviu falar deles, mas de repente encabeçam projetos “maravilhosos”, promovem “correntes do bem”, churrascos e garantem “isso” e “aquilo”. Cuidado!
9 – Lembre-se: a Política partidária é lugar do laicato. São os cidadãos verdadeiramente comprometidos com o BEM COMUM que devem fazer parte das Câmaras de decisões, e não os líderes religiosos.
10 – Não vote em alguém só porque você o conhece ou porque faz parte do seu clube, da sua turma, da sua igreja, da sua comunidade, do seu time. Analise propostas! Exija propostas claras e objetivas. Fuja dos jargões e das “propostas de contos de fadas”. A vida real, se não ponderada, dói no estômago e no bolso.
11 – Tenha fé e esperança. A Política é a única forma de construirmos um mundo melhor, mais justo e solidário.
12 – Nunca, em hipótese alguma, se esqueça em quem você votou. Anote o nome e, ao longo do mandato, acompanhe. Dos nossos candidatos devemos nos orgulhar. Se isso não ocorrer, marque-o no seu caderno. Haverá novas eleições daqui a quatro anos.
13 – Seja verdadeiramente cristão: não pense exclusivamente em você, em sua família, e muito menos no seu bolso. Não aceite subornos, propinas, vantagens. Não tenha outro interesse que não seja o bem comum.
14 – A conversão sincera passa por uma busca honesta do mundo novo que todos nós ajudamos a construir.
15 – Peça as luzes do Espírito Santo. Deus está sempre do lado dos fracos, dos humilhados que não tem com quem contar. E você, de que lado você gostaria de estar?
Por isso, é bom e justo recordar especialmente àqueles que dizem não tolerar política ou que política não se discute:
Desde a Grécia antiga já se sabe que o homem é um ser político por natureza (Aristóteles – 384-322 a.C – in A Metafísica), e é graças à Política que existe a pólis, a cidade emancipada, feita por homens livres – cidadãos -, aqueles que têm direito a opinar e a discursar na ágora – na praça pública -. Infelizmente, ainda hoje, muitos preferem se comportar como os escravos da época, que eram desconsiderados e, por isso, se eximiam da vida pública como se ela não lhes dissesse respeito.
A Política faz parte de todas as nossas relações humanas. Ela está presente em todos os ambientes e lugares e não há quem não faça uso dela. Ela influencia e é influenciada pela cultura, economia, passa pela educação, pela saúde, garante a segurança e tem, inclusive, desdobramentos em nossa religiosidade. Quem, no entanto, preferir se ausentar da Política é bom conhecer o que Platão (348 -347 a.C), discípulo de Sócrates, o grande filósofo da idade antiga, dizia: “o castigo dos bons que não fazem política é ser governados pelos maus”. Todavia, ser indiferente é também uma postura Política. Questionável, é verdade, mas, ainda assim, uma postura passível de ser tomada.
Depois, é preciso recordar: não deve haver separação entre fé e ética. O modo como eu vivo diz da minha relação com Deus e com os irmãos. É impossível ser cristão e ser, ao mesmo tempo, desinteressado pelas coisas do mundo, obra do amor de Deus. São João Crisóstomo (347-407 d.C), padre do início do cristianismo, denunciava: “que importa se a mesa eucarística está repleta de cálices de ouro, quando o seu irmão passa fome? Comece satisfazendo a fome dele e, depois, com o que sobrar, poderás também adornar o altar”. Isso porque comprometer-se com a construção de um mundo novo exige também comprometimento e engajamento político, o que não quer dizer partidário. A política partidária é só uma forma de fazer Política. Há diversas outras, mais digas e honestas, inclusive. Mas em nome dessas, não se pode excluir aquela.
Se o cristão, mesmo assim, preferir ficar “de olhos voltados unicamente para o céu” terá que aceitar os muitos vendavais vindos de baixo, da terra sobre a qual assentam os seus pés. De novo é oportuno nos aconselharmos com os antigos: “nem tanto o céu nem tanto a terra. A verdade está na justa medida das coisas”. Pois, sem fanatismos, sem paixões exageradas, com muito diálogo, respeito e comprometimento pelo bem comum é possível “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1). E eles já começaram. Não os vês?!
_______________________
Por, Pe. Claudemar Silva[1]
Blog Pessoal: www.padreclaudemarsilva.com
Fanpage: Pe. Claudemar Silva
[1] Vigário no Santuário Diocesano Nossa Senhora Aparecida, em Uberlândia-MG.